Logo da Intervalo

Rogério Francisco Costa - Entrevista completa

Desde 2021, Rogério Francisco Costa circula pela cidade de Londrina com a performance Queria Nascer Flor. Ainda em fase de pesquisa, o trabalho coloca na rua o choro, a reza, e as angústias da pandemia. Aqui você pode acessar o texto do Intervalo sobre este delicado trabalho. A seguir, você pode conferir a entrevista completa com Rogério Francisco Costa, criador, ator e performer em Queria Nascer Flor.

Intervalo: Em primeiro lugar, Rogério, queria que você apresentasse a pesquisa em curso. Como público, a gente observa essa figura vestida de branco e roxo, o choro, as flores, a defumação, e isso dispara alguns sentidos. Mas queria saber de você, o que provocou a performance? O que está em discussão ali?

Rogério Francisco Costa: Então, “Queria Nascer Flor” faz parte de uma pesquisa solo que desenvolvo, há 10 anos. Em março de 2021, o que me impulsionou a realizar esta performance foi a agonia de mais de um ano de pandemia, em um contexto sombrio (que ainda não foi totalmente superado), cheio de restrições e instabilidades financeiras e emocionais. Eu queria fazer alguma coisa, nem que fosse ir chorar no meio da rua (risos). Esse “choro” que falo é uma estrutura de cena que costumo utilizar nas intervenções urbanas que realizo com a personagem LENO, que é o objeto desta pesquisa de uma década. Recuperei a estrutura do choro como uma imagem de impacto, mas meu desejo, desta vez, era transcender o choro. Queria que esse choro levasse a uma outra ação simbólica que tocasse no sensível das pessoas.

Em poucos dias, produzi um figurino branco com detalhes em roxo, com um tecido cobrindo todo o rosto e uma coroa de flores na cabeça. Esta figura, sobre pernas de pau de oitenta centímetros de altura, possui um apelo sensorial, pois ela manipula um turíbulo, no qual queima algumas ervas. Não sabia muito bem o que poderia acontecer a partir da proposta de levar estas duas imagens de impacto ao passeio público: um choro, que é um choro impotente, para lavar toda a dor do mundo, e a figura sem rosto, peregrina silenciosa, com seu bastão e seu turíbulo queimando ervas e rescendendo as vias da cidade, abrindo os caminhos para a sabedoria.

Eu não sabia como seria este experimento, mas estava instigado em descobrir meios de continuar fazendo teatro. O que era possível fazer, mesmo com todos os protocolos sanitários? A vacinação estava avançando e eu estava esperançoso pela retomada das ações presenciais. Queria atravessar as normatividades do dia na cidade propondo imagens poéticas, aguçando os sentidos, inspirando as subjetividades das pessoas. Na verdade, acho que o que me levou a realizar este trabalho foi a necessidade existencial de fazer arte. É uma questão de sobrevivência, mesmo, ainda mais em tempos difíceis como este. É um compromisso do meu ofício.

Intervalo: Agora, queria falar sobre o seu trabalho como ator. A gente sempre te vê envolvido em trabalhos delicados, bem sensíveis, seja no Ás de Paus, nas suas produções... Isso não quer dizer que os trabalhos não sejam potentes, questionadores. Mas parece que há sempre um dado de delicadeza, um movimento ritualístico mesmo... Queria que você falasse um pouco sobre como o Queria Nascer Flor se relaciona com as suas outras produções. Onde ela se localiza na teia, ou na linha do tempo, do seu trabalho criativo?

Rogério Francisco: “Leno / Queria Nascer Flor” é uma pesquisa que me ajuda a me situar enquanto artista de rua e abre possibilidades de me manter em movimento. Leno é um andarilho que ocupa o espaço público com a função de limpar o lixo do mundo. Além desta simbologia arquetípica da figura da rua, também há outras camadas que se relacionam com minha trajetória de trabalho e que são sintetizadas na composição de Leno e seus conflitos existenciais. A presença desta personagem na rua, mesmo que silenciosa, grita aos olhos das pessoas passantes, despertando reações diversas. Eu tenho alguns elementos, ações que experimento em cada contexto das intervenções que realizo, mas uma parte do que acontece lá na hora depende dos atravessamentos gerados pelas relações entre mim, a cena, o lugar e as outras pessoas. Este jogo com o acaso, em locais de circulação de gente exige muita atenção e entrega para conseguir se integrar ao ambiente. Esse desafio me fascina.

Vejo em Leno a possibilidade de investigar isso. Um trabalho como este ou como os trabalhos que crio com o Núcleo Ás de Paus, por exemplo, requer um mergulho profundo no universo de pesquisa. Isto pede disciplina e tempo para que a ideia possa florescer em ações concretas que sensibilizem, de alguma maneira, quem entrar em contato com a obra. Esta espécie de “encantamento” que o contato com a arte causa pode se dar em níveis subjetivos, para o público, que estão para além de qualquer técnica. Eu só posso contar com a técnica e buscar me manter atento e disponível para que o momento da cena faça sentido para outras pessoas. Acredito que estes procedimentos contribuem para a construção desta ideia de ritual que está relacionada ao ato teatral.

Intervalo: Sobre a performance, a gente percebe que como um trabalho de pandemia, com um aparato técnico limitado, você enfrentou as dificuldades da transmissão ao vivo. Os registros de áudio e de imagem acabam falhando, inevitavelmente, e também não há como escapar das famosas “travadas”. Queria que você comentasse um pouco sobre esse aspecto do processo... Isso chega a fazer parte da pesquisa? Como foi desenvolver a performance enredado na transmissão do Instagram, nesse contexto das lives?

Rogério Francisco: Pois é, as ferramentas digitais têm sido cada vez mais presentes em todas as áreas de conhecimento e convívio. Em tempos de isolamento/distanciamento social, a internet e as redes sociais têm se tornado meios eficazes para nossa articulação no mundo. Quando ficamos fechadas em nossas casas nos vimos dependentes das plataformas virtuais para mantermos o trabalho, o estudo, as relações de afeto, etc. Eu estava muito inquieto, querendo aproveitar, de alguma maneira, este momento histórico e pensei na possibilidade de experimentar uma performance com formato híbrido, mantendo o caráter de ação presencial ao realizar a intervenção no espaço público, mas com um celular gravando e transmitindo ao vivo via aplicativo Instagram. Desta maneira, a minha relação com o espaço público e as pessoas passantes se manteriam e quem estava em isolamento social, poderia acompanhar a apresentação via live. Em nenhuma das vezes que realizei esta performance eu tive equipamentos adequados e boa rede de internet que garantissem a qualidade de captação e transmissão, mas me arrisquei, mesmo assim, com a realidade de equipamento que possuía. Corri o risco consciente porque era um momento único, que propiciava a tal experiência. Independentemente das falhas técnicas com a transmissão online, eu percebia a potência do que estava acontecendo ali nas ruas por onde eu passava. Abriam-se fendas poéticas entre minhas ações, o espaço público e as pessoas do lugar e isso valeu mais do que as eventuais falhas na internet.

Intervalo: Nesse sentido, do envolvimento com as mídias, queria que você contasse um pouco sobre a recepção e reação do público. Há uma interação dupla também, né? O público da rua, o público das redes... Como vem sendo a recepção lá e cá?

Rogério Francisco: De fato, para que eu possa contemplar, efetivamente, o público da internet será preciso investir mais em equipamentos e conexão para garantir transmissão de qualidade, pois, por mais interessante que seja um trabalho online, se a qualidade de transmissão não é boa, o público não permanece. Acredito que os experimentos que realizei até agora não conseguiram bom êxito, no sentido da qualidade de recepção do público online, mas proporcionaram uma possibilidade de intercâmbio artístico. Em determinado momento da performance, a artista Edna Aguiar, parceira colaboradora desta pesquisa, que estava em outro endereço, compartilhava a tela na transmissão via Instagram e executava alguns cantos de tradição popular em diálogo com a figura peregrina que incensava as ruas da cidade, que aparecia na outra metade da tela. A participação de Edna era visível somente para quem assistisse à performance via Instagram. Este diferencial no trabalho me pareceu um aspecto positivo, no que diz respeito às possibilidades de inserção das mídias digitais no ato teatral.

Intervalo: Rogério, você segue em pesquisa, né, e Queria Nascer Flor segue em construção. Hoje, vacinados e vacinadas, com alguns indícios de melhora futura, mas também carregando dois anos de pandemia, essa figura que você propõe, Leno, ela ainda chora? Ainda defuma?

Rogério Francisco: Com certeza! (risos) Inclusive, esta entrevista é uma oportunidade para aprofundar as reflexões sobre este trabalho no qual estou produzindo um material audiovisual que pretende apresentar e problematizar esta investigação. Essa produção faz parte de um projeto aprovado pelo edital 002/2021 - Bolsa Saberes e Fazeres do Programa Municipal de Incentivo à cultura – PROMIC. A realização do objeto deste projeto vai facilitar a organização de uma estrutura cênica que possa ser apresentada em vários lugares e participar de editais de festivais e de outras circulações.

Intervalo: Aqui fica um espaço aberto pra você acrescentar detalhes, informações, qualquer coisa que deseje falar.

Rogério Francisco: ah, eu quero agradecer pelo seu carinho e interesse pelo meu trabalho. Também, quero parabenizar pela iniciativa deste projeto, pois ele promove a visibilidade às produções artísticas da nossa cidade e abre espaço para refletirmos sobre a potência da arte londrinense. Para concluir, sobre Leno / Queria Nascer Flor, esta é uma pesquisa em movimento, que transita e dialoga com diversos elementos e segue aberta a novas possibilidades de desdobramento. Hoje, o meu entendimento sobre este trabalho é este, mas como uma obra aberta, amanhã, já poderá ser outro. Uma obra aberta que me quer sempre pronto para novas descobertas.

Veja Mais

Inscreva-se e fique por dentro de tudo!