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Londrina Tem História: visões sobre a cidade

O projeto Londrina Tem História assumiu uma tarefa curiosa. Como projeto cultural focado na memória, vem registrando (via Instagram, até o momento) alguns artefatos urbanos da cidade de Londrina. O termo "artefato", uma escolha intencional do projeto, dá sinais do não convencional na proposta: registrar lugares e detalhes da cidade de Londrina, indicados por pessoas comuns e marcados pelo afeto.

O resultado vem sendo apresentado com muito capricho gráfico na página do virtual, e reúne marcas em calçadas, bares antigos, construções abandonadas, entre outros artefatos enviados pelo público por formulário do Google.

E talvez seja esse mecanismo, de sugestões via formulário, um dos maiores méritos do projeto, na medida em que dá variedade ao acervo, mas também como realização daquele que parece ser mesmo o núcleo da proposta: convocar as pessoas para a atenção, para a presença na cidade e no próprio cotidiano.

Conversamos com uma das idealizadoras do projeto, que fala sobre o urbano, o anti-urbano e a derrubada de orelhões.

⁠Intervalo: O projeto Londrina Tem História transita por um lugar interessante que é esse espaço da memória da cidade, mas não pelo viés de uma história linear, narrativa, que explique origens, né? Parece se suportar mais no afeto, no envolvimento das pessoas, e nessas miudezas do cotidiano. Queria que vocês contassem pra gente como a ideia apareceu e, se possível, queria que comentassem também o que tem acontecido na prática, qual é a dinâmica do projeto?

Fergi: Exatamente. Quando fizemos o projeto o nome ficou por último, pois foi só depois de estruturar a ideia por completo que entendemos essas narrativas populares enquanto história. Uma história a ser contada por quem vive a cidade de maneira afetiva, por quem percebe o quanto o nosso meio nos transforma e nos afeta.

Na rua João Candido, um pouco para frente daquela imobiliária que tem um relógio, tinha um orelhão e eu e uma amiga sempre passávamos por ali e tinha uma piada interna com uma coisa escrita no orelhão. Um dia retiraram esse orelhão e ficou só uma marquinha redonda na calçada que formava um rostinho perfeito, então o rostinho começou a ser um ponto de referência para mim e me fez pensar se mais alguém em londrina saberia onde ele fica, caso eu tirasse uma foto, ou se alguém saberia que aquele rostinho antes era um orelhão.

Contei essa experiência para a Erica Matsuda, que queria fazer uma página de fotografia sobre essas pequenas coisas que passam despercebidas por muitas pessoas e que, para outras, têm significados especiais. No ano seguinte (2021) o que possibilitou que colocássemos o projeto em prática foi o Programa Municipal de Incentivo à Cultura, pelo qual fomos contempladas com uma bolsa para realização do Londrina Tem História: Uma narrativa popular dos artefatos urbanos.

Intervalo: Vocês contam que chegaram à ideia do “artefato” para abarcar todos esses espaços e detalhes que o projeto registra. Afinal, o que é o artefato? Qual o sentido dele no contexto do projeto?

Fergi: Este é um termo que aos poucos foi se consolidando. Quando escrevemos o projeto ele tinha um significado que estava mais ligado a coisas imperceptíveis e concretas (no sentido físico mesmo, palpável), mas assim que recebemos os primeiros artefatos compreendemos que o público que participa dá a sua conotação sobre o que é artefato urbano e, hoje, pensamos que artefato urbano é, pelo menos para esse projeto, todo elemento que está no meio urbano da cidade e que tenha alguma relação afetiva com as pessoas que habitam ou já habitaram a cidade de Londrina. “Habitar” aqui é compreendido como estar/ser, construir/participar, ativamente na cidade.

Intervalo: O trabalho é bem bonito, né? Tanto pelo cuidado visual, mas também porque traz uma visão “de fresta” sobre a vida urbana. Parece um trabalho calcado no urbano, mas que também é meio “anti-urbano”. Como o Londrina Tem História pensa a vida urbana? O projeto busca provocações nesse campo? Essa reflexão faz sentido?

Fergi: Sim, segundo o senso IBGE de 2015 a maior parte da população brasileira vive em área urbana, no sul no país somos aproximadamente 90%, ou seja, se este ambiente for percebido sempre pelos seus aspectos hostis, a vida se torna cada vez mais insuportável. Sem semear as subjetividades e as poesias do nosso meio nos tornamos cada vez mais literais, mais frias e seremos cada vez mais carros, ao invés de pessoas. Voltar nosso olhar para as narrativas populares é essencial para a criação de uma cidade mais humana, é assim que percebemos as reais necessidades do povo londrinense, é necessário gritar “existe amor em grandes centros” pois se este acaba, acaba a nossa capacidade de enxergar a pedestre, a pessoa em situação de rua, o animal abandonado, e acaba também a capacidade de que nos enxerguem, caso sejamos nós a necessitar cuidado e atenção em vias públicas.

E, por falar em “frestas”, o projeto propõe a pausa do olhar/movimento para ver também que somos feitas de detalhes. Ao convidar as pessoas para enviar seus artefatos já estamos fazendo um exercício de reflexão sobre a cidade e fortalecendo o vínculo emocional. Quero dizer que com isso as pessoas se apropriam mais do espaço e cuidam mais dele.

Ressaltamos também a importância da preservação histórica. Este projeto vem como um pequeno passo na construção da ideia de que somos agentes importantes na elaboração da cidade e que se não aprendermos a preservar os nossos espaços de memória singulares e pessoais não vamos ter forças suficientes para preservar espaços/edificações que são importantes para a memória coletiva da cidade.

Intervalo: Por fim, queria que vocês contassem sobre o envolvimento do público. Os artefatos estão surgindo, vocês encontraram alguma novidade inesperada? Podem destacar uma pra gente?

Fergi: Toda nova resposta no formulário é uma felicidade, recebemos artefatos minúsculos como uma florzinha de pedra no calçadão da UEL, até mistérios grandiosos como o espaço que existe no subsolo do zerão, recebemos todos com a mesma empolgação de conhecer um tiquinho das memórias das pessoas e da importância do “desimportante”.

As descrições às vezes vem em textos poéticos, às vezes em apenas uma frase, enfim, chega aquilo que é essencial de ser dito sobre determinado artefato e nós ficamos felizes independente de a pessoa ter feito um texto grande, pequeno, cheio de detalhes ou uma lembrança simples e singela, lemos com muito carinho e tentamos registrar combinando o olhar de quem mandou o artefato com o de quem fotografa.

Não sei se conseguimos pensar em um mais marcante, mas teve uma pessoa que enviou o lugar onde ela conheceu o marido, e ela tinha o registro exatamente do dia que descreveu para nós, foi muito especial ter acesso a essas imagens. Tem muita coisa legal aparecendo ainda, como o “subzerão” que estamos descobrindo aos poucos todos os mistérios desse espaço; a “pracinha dos peixes” que fica em frente à Copel, que foi um espaço muito novo para maioria da equipe, e ficamos encantadas em conhecer, nós recebemos um artefato (na verdade um combo de artefatos) de uma criança de 9 anos, sabe, cada dia é uma surpresa diferente e muito linda.

Londrina Tem História guarda registros no Instagram e deve criar em breve um blog, com um mapa dos afetos encontrados pelo projeto. Para enviar um artefato é só acessar o formulário nesse link. Para quem quiser enviar um artefato mas não tiver muita familiaridade com as ferramentas, o conato pode ser feito pelo e-mail: londrinatemhistoria@gmail.com ou pelo telefone: 43999207742.

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