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Em trabalho feminino marcado por narrativa íntima, Clara Striquer estreou suas composições no palco do Banda Nova

O projeto Banda Nova, da Funcart, é velho conhecido dos e das londrinenses. No ar desde 2010, o Banda Nova buscou apresentar ao público os novos trabalhos musicais da cidade e foi palco de estreia para muitas bandas e artistas em início de carreira em Londrina. A partir da pandemia, o Banda Nova se transformou em um projeto de lives – como aconteceu com quase todas as mostras e festivais de música no país - e, em sua edição mais recente, lançada em fevereiro, apresentou 6 shows virtuais. O Intervalo conversou com Clara Striquer, cantora e compositora que encerrou a série de apresentações do Banda Nova 2021, apresentando pela primeira vez o seu trabalho de autoria.

As canções que Clara apresenta no show são bem marcadas por uma narrativa pessoal. Em alguns momentos revela questões íntimas, sobre a relação com o corpo, a liberdade e as pressões sofridas pela mulher. E em outros momentos provoca, se declara, fala de amor e de desejo. Seja na conversa aberta sobre as questões do feminino, seja no texto de confissão, o trabalho parece se amparar bem nesse momento em que as mulheres, especialmente as mulheres jovens, assumem o lugar de autoras e não sentem medo de falar sobre si.

No projeto, que está em estúdio, Clara Striquer vem acompanhada de seu companheiro, o baixista Lugue Henriques, do baterista Douglas Labigalini, do guitarrista Tiago Garcia, e do saxofonista Fabio Tanaka, que também assume o sintetizador. O time é de pessoas do seu entorno, músicos que, segundo a cantora, foram importantes para o processo de composição das músicas, por serem seus amigos, trazerem segurança a essa primeira exposição. Não é estranho, portanto, que a gente encontre alguns sinais do Aminoácido, e mesmo do Creestia, aqui e ali e durante o repertório (projetos de que esses músicos também fazem parte). Aliás, Cristiano Ramos, do Creestia, é quem assina a produção do trabalho, e há um acerto inequívoco na inclusão do sintetizador, que parece uma influência sua. O sint constrói certas paisagens sonoras ao longo do show, fazendo um bom diálogo com a poética de Clara Striquer, além de agregar tons mais contemporâneos, mais "descolados", para o quadro geral das composições.

No mais, é importante dizer que o show tem dois polos: de um lado, o aspecto da sensibilidade e da intimidade da maior parte das letras de Clara e, de outro, a sensualidade, a presença desse feminino mais ativo, provocante, que vem tanto nas letras da compositora, quanto no repertório de covers, sempre femininos, escolhidos para o show. Provavelmente, o desafio da produção seja encontrar um terreno comum entre esses dois polos, uma linha mais suave, de equilíbrio entre essas áreas que, por enquanto, vão aparecendo em lugares distintos na estreia. O trabalho, afinal, é essencialmente feminino, e essa dupla face, sensibilidade e sensualidade, parecem dar o tom do que Clara Striquer está começando a construir.

A seguir, um pouco da conversa que tivemos com Clara, alguns dias depois da estreia no Banda Nova. E, ao final da entrevista, disponibilizamos o show na íntegra, com links para assistir as outras apresentações da temporada.

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Intervalo: Clara, para começar, queria conversar um pouco sobre o seu trabalho. Você vem compondo já há algum tempo, mas só mais recentemente apresentou essa produção para os músicos que te acompanham, né? Também sei que você está trabalhando na produção do primeiro EP. Queria saber de você: em que consiste esse seu trabalho, como tem sido esse processo? E, principalmente, como aconteceu a escolha por caminhar para um trabalho solo?

Clara Striquer: Bom, o trabalho consiste na materialização de composições, obviamente de uma perspectiva feminina do mundo, que ficaram por muito tempo só na minha cabeça. Temas que falam sobre família, sucesso, objetivos de vida, paixão e prazer permeiam todo o trabalho. Eu diria que ele carrega um pouco de dores pessoais, mas também tem ironia, brincadeiras, tanto nas letras, quanto no aspecto musical em si. E sobre o processo, bom, tem sido deveras lento (risos) por conta da pandemia, mas ao mesmo tempo tem sido paciente e cuidadoso.

Quando comecei a mostrar as composições para o meu parceiro, Lugue Henriques, as músicas foram se tornando reais e com a ajuda também do nosso produtor, Cristiano Ramos, as ideias foram tomando forma. Essa perspectiva nova foi importante. Porém, durante a pandemia, os ensaios pararam por tempo indeterminado, todos estavam realmente se resguardando o máximo possível. Então, durante o ano de 2020, o Lugue e eu trabalhamos as composições e arranjos, pois já nos encontrávamos por conta do nosso relacionamento, e assim o trabalho foi se desenvolvendo.

Os ensaios voltaram só em 2021, pouco antes de sermos selecionados pelo edital do Banda Nova. Foi aí que ligamos o 220! O Projeto Banda Nova deu o start nesse meu início de carreira, sendo essencial nesse processo, pois nos preparamos muito para fazer o melhor show que podíamos no momento e entregando tudo que a gente podia e queria entregar!

Intervalo: Clara, muitas pessoas te conhecem e já conhecem o seu trabalho. A gente sabe, e no show você também comenta, que vem de uma família de músicos, que canta desde pequena... Queria que você falasse sobre as suas origens na música, de onde vem a sua formação e o que compõe o seu quadro de referências.

C.Striquer: A música sempre esteve muito presente na minha vida, desde a barriga da minha mãe. Nos nossos encontros de família sempre tinha uma roda de samba, cada um com um instrumento e todos cantando claro e em bom tom, juntos. Até me emociono em falar, pois era e ainda é, quando conseguimos nos reunir, uma alegria genuína que sinto.

Meu pai é músico desde os 18 anos, quando foi para São Paulo tocar na noite. Depois de ter as 3 filhas, ganhou 3 cantoras para cantar junto com ele (risos). Eu comecei a ir aos eventos com o meu pai por volta dos 12 anos e até hoje trabalhamos juntos. Essa experiência foi grande parte da minha formação de autoconfiança. Ele sempre fez questão de falar para a gente “sentir a música”, era como ele nos ensinava aspectos como dinâmica, intensidade, expressão, e prosódia, no sentido da contação de história das letras.

Da parte da minha mãe, a música também sempre esteve ali, mas pegando carona na dança. Então essas duas linguagens estavam juntas e a minha mãe fazia questão de incentivá-las. Por exemplo, o coro infantil e juvenil da UEL, de que eu e uma de minhas irmãs fizemos parte por muitos anos, foi minha mãe quem encontrou o anúncio do projeto no jornal. O mesmo aconteceu com o balé, na Funcart, e o vôlei, em um clube particular. Minha mãe sempre que achava uma oportunidade fazia questão de colocar eu e minhas irmãs para participar e isso também foi essencial para a minha formação como pessoa. Tudo isso contribuiu para que hoje eu esteja cursando o último ano do curso de Música na UEL, que vai completar uma formação musical que me dá muito orgulho, orgulho de mim e dessa universidade, que esteve presente na minha formação desde os meus 9 anos.

Sobre as referências, aparece um pouquinho de cada coisa. Por cantar com meu pai, conheci vozes como as da Elis, Marisa Monte, Alcione, Paula Toller, Rita Lee, Caetano, Djavan e por aí vai, e sempre gostei muito, mas ouvia mais para aprender a cantar. Em casa, eu sempre ouvi muito pop, adorava o TVZ, do Multishow, ficava vidrada assistindo os clipes e cantando junto, então Black Eyed Peas, Britney Spears, Christina Aguilera, Rihanna, Lady Gaga, Beyonce, Justin Timberlake estiveram na minha cabeça por muito tempo. Assim como muita música da Disney (risos), amava os filmes, dos mais antigos aos mais atuais.

Intervalo: Um debate importante desse momento tem a ver com a autoria feminina. Tem se reconhecido como é um grande desafio para nós, mulheres, expormos a nossa produção, brigar por esse espaço. No seu caso, o processo envolveu tirar as letras do papel, apresentar aos músicos, depois ao público... Queria que você falasse um pouco sobre esse aspecto do processo, como tem sido esse “sair a público” e que dificuldades você tem enfrentado?

Striquer: Sobre sair a público, isso foi algo que me assombrou por um tempo. Sempre fui uma pessoa muito coletiva. Cantava com minhas irmãs, jogava vôlei, que é um esporte coletivo, cantei por muitos anos em coral, e ainda faço parte de um grupo vocal. Então começar um trabalho solo, na minha cabeça, me dava a impressão de estar sendo egocêntrica, prepotente, metida ou até egoísta por querer me colocar num lugar de destaque como artista. E não digo isso por falsa modéstia, é que esse lugar de centro, por mais que eu seja uma pessoa extrovertida, me parecia estranho.

Mas ao começar, muito aos pouquinhos, a mostrar minhas composições para pessoas em que eu confiava, e recebendo respostas positivas e incentivadoras, comecei a me validar um pouco mais. Acho que isso, no meio artístico para as mulheres, pode ser comum. Eu e muitas amigas já chegamos a sentir até mesmo baixa autoestima intelectual, como se precisássemos estudar muitas vezes mais para saber o que nossos colegas homens sabiam. Já houve situações em que homens duvidaram da capacidade técnica, musical, artística de amigas minhas, principalmente instrumentistas. Eu sinto isso em relação à composição. Nunca tive uma situação dessas, ainda mais por estar no começo, mas por lidar com o aspecto da poesia e da criação da melodia, que é mais o meu forte do que a harmonia, eu sentia a pressão de escrever letras de naipe Caetano ou Djavan. Veja bem, os exemplos que me vem à cabeça são de homens, isso já diz um tanto. Hoje, eu considero que expor um trabalho autoral é um ato de grande coragem.

Por sorte eu encontrei pessoas que validaram a minha produção - coisa que eu não precisaria se eu mesma já me validasse, e hoje sinto muito mais segurança em me expor para o mundo. E quem gostar, gostou, quem não gostar, tudo bem também.

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Intervalo: No show, você mesclou composições suas e músicas de outras compositoras e cantoras brasileiras. O repertório tem Luedji Luna, Rita Lee, Duda Beat, Letrux... O que determinou essa escolha, qual o fio que conecta essas mulheres, essas músicas e a sua estreia?

C. Striker: Entre o repertório, eu quis escolher mulheres que acredito serem, se não todas, compositoras em maioria, além de serem mulheres que admiro muito musicalmente. Sinto força, musicalidade, remelexo ao ouvir essas músicas que interpretei, e gosto muito de usar esse espaço pra fazer essa pequena homenagem a essas mulheres. Nas letras, tem muita energia feminina e rebeldia. Elas falam do prazer feminino e rasgam a cortina do pudor. Também escrevem sobre suas dores, expõem suas fragilidades, isso me dá acalanto também. Dessa forma, acredito que essas músicas amarraram o show por trazerem elementos e temas que eu também gosto de usar em minhas músicas. São fonte de inspiração, antes de qualquer coisa, e assim eu interpretei que elas poderiam agregar muito ao repertório do show.

Intervalo: Por fim, queria saber como anda o futuro por aí. Queria que você contasse como tá sendo a produção das suas músicas, o disco, e o que o público pode esperar para esses próximos períodos.

C. Striker: Agora, após o show do Banda Nova, conseguimos reunir um material muito legal de divulgação, então, nesse primeiro momento, estamos querendo muito tocar e tocar e tocar, o momento é de tentar vender o show mesmo.

Enquanto isso, fazemos os retoques finais nos arranjos das músicas e vamos gravar muito provavelmente um EP e um single com clipe, se não rearranjarmos o formato de novo (risos). Mas estamos muito animados, e o pessoal pode esperar muito remelexo, música pra chorar, pra dançar, pra refletir e festejar. Acho que o que eu desejo com esse trabalho é me conectar com outras pessoas.

Assim como ouço músicas que me arrepiam e conectam com a minha vivência, eu quero poder provocar isso em quem me ouve também. Representar algumas vivências femininas, no sentido de dividir as dores e somar na força, sabe? E, claro, buscar certa realização pessoal e profissional também, sei que esse não é um lugar fixo a que se chega e “pronto, agora você está realizada”. Mas hoje eu sei que é isso o que eu mais gosto de fazer, e por isso eu quero poder viver da arte, ser muito boa no que eu faço.

As fotos foram gentilmente cedidas pela RubroLab em parceria com o Banda Nova

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