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Depois do isolamento, Dap retorna em novo endereço e discute os sentidos da Casa

À primeira vista, “Formas de Voltar Para a Casa”, nova exposição da DaP – Divisão de Artes Plásticas da UEL, pode parecer descompassada no tempo. Hoje, depois de dois anos exilados em casa, muitos e muitas de nós desejariam ver outro tema ao visitar uma galeria. Ou, ainda, a própria exposição correu o risco, ao escolher falar de casa, de que os nossos olhares e pensamentos chegassem já contaminados pela experiência do isolamento e não se abrissem, então, para as proposições da curadoria – que certamente são mais amplas.

A exposição inaugura o novo endereço da DaP, que passou a funcionar na Rua Pernambuco 540, e reúne o trabalho de 8 artistas. A partir de técnicas variadas (que vão da maquete à marchetaria), os trabalhos apontam sentidos também diversos para a ideia de casa. No processo, o que se revela são experiências poéticas, às vezes familiares, às veze estranhas ao expectador.

O trabalho de Marcela Novaes, por exemplo, observa casas pelo lado de fora. Em pinturas com guache e também em textos poéticos, o trabalho registra casas que até podem ser reais, mas que ganham contornos fantasiosos e surrealistas, como o quadro “Molhada”, que retrata uma casa em chamas, ou a garagem subterrânea de um prédio em São Paulo que fica inundada por semanas e chega a ter peixes.

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Gabriel Bonfim, por sua vez, fala da casa a partir de dentro, da casa como um ponto de vista para o mundo. Seu trabalho é um texto em vermelho impresso em um enorme lambe-lambe colado na parede, que descreve três quartos onde o artista já viveu. Mais tarde, a mediadora Alana Gentil explicaria que o artista escreveu cartas a esses quartos e, numa mudança de residência, se sentiu tão deslocado que precisou registrar seus objetos em lista, um a um, para voltar se reconhecer no ambiente.

O texto curatorial, por sinal, fala dessa possibilidade – entre outras – de entender a casa como um espaço que o indivíduo organiza para representar-se para si mesmo.

Porém, para além dos pontos de vista do indivíduo sobre a sua própria morada, destacamos dois trabalhos do conjunto da exposição. Primeiro, a maquete em jornal, da artista Priscila Hayashi. Priscila reconstituiu a casa de seu avô a partir dos jornais japoneses que herdou depois da morte dele. O avô nunca chegou a falar português e acumulou os jornais durante toda a vida. A casa em miniatura é preenchida de mini objetos, todos pertencentes a membros da família.

Nesse trabalho, diferente de outros da exposição, a casa é um lugar de história, um espaço de afeto que perdura no tempo (não é passageiro, como os quartos do Gabriel Bonfim). Aqui, a casa do avô é uma referência sólida que sobrevive por meio da obra – que se torna também uma espécie de relicário.

A exposição ainda apresenta o trabalho recente do artista Elias Andrade, cuja vida transita entre o rural e o urbano e, portanto, fica marcada pela terra. O artista destaca de seu cotidiano as sacolas que precisa colocar nos pés quando vai para “a cidade” – que se tornou sinônimo de centro urbano. O Que a Terra Há de Comer (o trabalho de Elias ganha status de exposição individual na proposição da curadoria) ainda traz pinturas com terra em papel e muitos registros de sacolas embarreadas, que parecem fazer parte de uma vida que foi esquecida por quem vive o centro urbano.

Talvez o trabalho de Elias seja o único da exposição que chega a apontar questões sociais em sua narrativa poética, talvez seja o único momento em que a Casa deixa de ser retratada como esse ambiente onde o indivíduo se representa para si, e se torne também esse espaço no meio coletivo, que oferece camadas de experiência e vivência a partir de sua posição diante da realidade social.

No caso específico do trabalho de Elias, o público vai encontrar muitas das sacolas penduradas no teto que, como eu disse no início do texto, podem ser confundidas com as sacolas que higienizamos e penduramos no varal no início da pandemia. Nesse sentido, é importante destacar que faz muita falta o material de mediação que a Dap sempre produziu.

Nós lamentamos que uma instituição importante para as artes plásticas da cidade não tenha mais recurso disponível para a impressão do seu catálogo, já consolidado. Uma alegria, por outro lado, que a mediação corpo a corpo da Dap continue acolhedora, popular e provocativa – quem me salvou de entender as sacolas apenas como uma referência pandêmica foi a mediadora Alana Gentil, já citada, que se colocou à minha disposição durante a visita.

Alana Gentil ofereceu muitas informações que deram corpo a este texto e também indicou que a Dap está se organizando para produzir materiais de mediação de forma independente – e nós estamos na torcida.

As exposições “Formas de Voltar Para a Casa” e “O Que a Terra há de Comer” seguem abertas ao público até o dia 28 de Abril. Para quem quiser acessar, a Divisão de Artes Plásticas também disponibilidade um tour virtual pela exposição, disponível neste link.

Formas de Voltar para a Casa ainda tem trabalhos de Gustavo Rodrigues, Letícia Koga, Mariana Lachner e Iuri Dias.

Crédito das fotos: DaP

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